Recebi um texto de Danusa Leão essa manhã e achei demais. Veja:
Não há nada que me deixe mais frustrada do que pedir um sorvete de sobremesa, contar com os minutos até ele chegar. E aí vem o garçom colocar na minha frente uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido. Uma só!!!
Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa.
Aí a vontade que dá de passar numa loja de conveniência, comprar um litro de sorvete bem cremoso e saborear em casa com direito a repetir quantas vezes quiser, sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação.
O sorvete? Só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano!!!
A vida anda cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade.
A gente sai pra jantar, mas come pouco.
Vai a festa de casamento, mas resiste aos bombons.
Conquista a chamada liberdade sexual, mas tem que fingir que é difícil ( a imensa maioria das mulheres continua com pavor de ser rotulada de 'fácil').
Adora tomar um banho demorado, mas se contém para não disperdiçar os recursos do planeta.
Quer beijar aquele cara 10, 20 anos mais novo, mas tem medo de fazer papel de ridículo.
Tem vontade de ficar em casa vendo DVD, esparramada no sofá mas se obriga a ir malhar...
E por aí vai...
Tantos deveres, tanta preocupação em 'acertar', tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação...
Aí a vida vai ficando sem tempero, politicamente correta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente vai ficando melancolicamente sem tesão...
Às vezes dá vontade de fazer tudo errado.
Deixar de lado a régua,
o compasso,
a bússola,
a balança
e os 10 mandamentos.
Ser ridícula, inadequada, incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito.
Recusar prazeres incompletos e meias porções.
Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou e disse uma frase mais ou menos assim:
"Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora..."
Nós, que não aspiramos à castidade ou santidade e estamos aqui de passagem, podemos (devemos?) desejar várias bolas de sorvete, bombons de muitos sabores, vários beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o coração saciado.
Um dia a gente cria juízo. ( Ou seria falta de)
Um dia.
Não tem que ser agora.
Por isso, garçom, por favor, me traga:
cinco bolas de sorvete de chocolate,
um sofá pra eu ver 10 episódios do 'Law and Order' ,
um caixa de frutas bem macias
e o Richard Gere,
nu,
embrulhado pra presente, OK?
Não necessariamente nessa ordem.
Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago...
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